Foi o massacre que deu inicio a vitória decisiva do povo Timorense e a derrota das forcas ocupantes indonésios.
É importante rever e lembrar a história da resistência Timorense, e o massacre de Santa Cruz faz parte desta história e porque nela reside o espírito patriótico do povo Timorense e o alicerce da nossa Independência. Por isso, não podemos deixar passar esse dia sem refletir e lembrar do Massacre de Cemitério Santa Cruz.
Muito antes da invasão de Timor-Leste, a Indonésia, sob o regime de Suharto, desencadeou uma diplomacia sofisticada em relação a Timor-Leste. Conseguiu manipular a opinião pública internacional levando muitos países a ignorar o direito do povo Timorense a autodeterminação e independência. Por esta razão em 1975 a Indonésia invadiu Timor-Leste cometeu graves violações de direitos humanos, crimes contra a humanidade com toda a impunidade.
Estas violações de direitos humanos veio depois a serem concretizadas no dia 12 de Novembro de 1991, quando os militares Indonésios massacraram os jovens e estudantes no Cemitério de Santa Cruz durante uma manifestação pacifica. Neste dia, Jovens e estudantes, homens e mulheres, saíram da Igreja de Motael numa procissão em direção ao Cemitério de Santa Cruz com o objetivo de por flores na campa de Sebastião Gomes, um jovem estudante que foi morto pelos militares Indonésios na mesma Igreja no dia 27 de Outubro. Mas o objectivo principal era protestar a ocupação Indonésia e expressar o nosso descontentamento para com o governo Português pelo cancelamento da visita Parlamentar Portuguesa a Timor-Leste, uma visita acordada entre Portugal e Indonésia em Junho 1990.
Conforme a organização paz é possível foram 271 mortos, muitos feridos e desaparecidos incluindo jornalistas internacionais, como o Allan Nairn (Americano) Kamal Bamadja ( Estudante da Nova Zelandia). Kamal morreu depois no hospital. Minutos depois do massacre, um dos elementos do CE/FC telefonou imediatamente ao Dr. José Ramos-Horta, o atual Presidente da República, informando-lhe o acontecimento.
A cidade de Dili era infundida de medo e terror. Os jovens, mortos e feridos, foram transportados ao mortuário e o hospital militar. Os capturados foram levados aos centros da inteligência e policia onde foram sujeitos a interrogatórios e torturas e muitos deles foram desaparecidos. Os que escaparam, procuraram refúgios na residência do Bispo em Licidere e outros escondidos nas casas de amigos e familiares. Em casa, os pais e familiares, rezavam com a esperança de que os seus filhos se regressassem a casa são e salvos. Sentíamos cada vez mais isolados da comunidade internacional e vulnerados da justiça. Porem nunca perdemos a esperança de um dia alcançar o nosso objectivo que é a independência. Esta esperança engrandeceu quando as primeiras noticias do massacre de Santa Cruz foram transmitidos nos rádios internacionais. E quando as primeiras imagens do massacre foram transmitidas nos ecrãs das televisões de todo o mundo. Neste contexto quero reiterar os nossos agradecimentos ao Max Sthall, Allan Nairn, Amy Goodman, Steve Cox, padre Walter (Belga) e outros jornalistas presentes em Timor-Leste naquela altura. Se não fossem eles, a Indonésia teria a capacidade de mais uma vez dizer ao mundo que nada aconteceu.
As imagens de Santa Cruz desmascarou toda a diplomacia Indonésia e colocou Timor-Leste no mapa político do mundo e na consciência dos inconscientes.
Contudo gostaria de salientar aqui que a manifestação de 12 de Novembro nunca constatou na agenda das atividades da Frente Clandestina naquela altura. Foi uma decisão tomada na ultima da hora em resposta as frustrações da juventude na frente clandestina por causa do cancelamento da visita da delegação parlamentar portuguesa que acabo de mencionar. A frustração da juventude era justificada porque a frente clandestina passava muitos meses a preparar-se para receber a delegação portuguesa. A resistência Timorense considerava a visita uma luz no túnel para a resolução da questão de Timor-Leste.
Independentemente dos objectivos da visita parlamentar portuguesa, a resistência Timorense estava preparado para receber a delegação em festa. Estávamos preparados para levar a delegação de distrito a distrito em manifestações pacíficas e terminar em Dili com um diálogo entre Portugal, Indonésia e Xanana Gusmão.
Estávamos conscientes das consequências mas partimos sempre do principio de que os militares Indonésios nunca teriam a coragem de matar os manifestantes na presença da delegação parlamentar portuguesa e jornalistas internacionais que na altura já estavam em Timor-Leste. Nunca esperávamos que os militares indonésios teriam atuado como tem atuado no cemitério de Santa Cruz.
Mas estávamos errados, para os militares Indonésios, matando os jovens era a única forma para destruir o espírito patriotico e a crescente resistência contra a ocupação nas cidades e nas vilas ocupadas.
Pelo contrario, o massacre enriqueceu o espírito patriotismo e nacionalismo, da juventude e da resistência clandestina em Timor-Leste e em todo o mundo onde existem Timorenses, e por outro lado, fortificou a diplomacia portuguesa e a campanha da frente diplomática da resistência Timorense. Depois do massacre a juventude na frente clandestina tornaram-se cada vez mais corajosos e determinados em lutar em Timor-Leste e na Indonésia. E na frente diplomática tornou-se a melhor arma da diplomacia Portuguesa e da resistência Timorense.
As reações da comunidade internacional.
Alguns meses depois do massacre de Santa Cruz, o Secretário Geral das Nações Unidas enviou o seu enviado Amos Wako a Timor-Leste com o objectivo de conduzir um inquérito sobre o acontecimento. O seu relatório nunca foi publicado por ser muito critico a Indonésia. Alguns países como Canada, Dinamarca e Holanda suspenderam imediatamente suas ajudas bilaterais a Indonésia; O Congresso Americano recusou admitir Indonésia no programa da educação militar e posteriormente proibiu vendas de armas ligeiras e pecas para equipamentos militares a Indonésia. Muitas organizações de solidariedade foram criadas em todo o mundo, graças também as Jornadas de Timor encabeçado pelo Professor Barbedo Magalhães.
Em Portugal, liderado pelo Dr. Rui Marques, organizou-se uma missão, a Missão da Paz Lusitânia Expresso. O objectivo da Missão era levando a Timor-Leste um grupo de personalidades eminentes, jornalistas, docentes, estudantes, e ativistas de paz em todo o mundo, no barco Lusitânia Expresso navegando pelas águas de Timor-Leste a partir de Darwin. O objectivo era para colocar flores no Cemitério de Santa Cruz. A Lusitânia Expresso foi prevenida entrar Timor-Leste pelos barcos de guerra da Indonésia. Era uma missão provocatória e como tal cativou a atenção internacional e alimentou a esperança dos Timorenses.
As campanhas diplomáticas tornaram-se cada vez mais assertivos e com resultados palpáveis como por exemplo, em 1993, pela primeira vez, a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou uma resolução condenando a Indonésia pelas violações de Direitos Humanos em Timor-Leste; e em 1996, o comité do Prémio Nobel atribuiu Premio Nobel da Paz a dois filhos Timorenses, Reverendo Bispo Carlos Felipe Ximenes Belo e Dr. José Ramos-Horta, o atual Presidente da República. E o Secretário Geral das Nações Unidas retomou as negociações entre Portugal e Indonésia com o objectivo de encontrar uma solução pacífica e duradoira a questão de Timor-Leste.
Tudo parece convergiu na mesma altura a favor da resistência Timorense. Em 1997, o governo de Suharto sofreu múltiplas pressões políticas relacionado a questão de Timor-Leste e económicas derivadas pela crise financeira da Asia que começou na Tailândia em julho 1997 e espalhou por todos os países do Sudeste Asiático incluindo o Japão e a Coreia do Sul. Mas os países mais afectados foram a Tailândia, Indonésia e Corrêa do Sul. Na Indonésia provocou protestos mássicos em Jakarta e outras cidades. Suharto nada a perder, esmagou os manifestantes a força. 4 estudantes Universitários da Universidade Trisakti foram mortos pelos militares Indonésios. A morte dos 4 estudantes provocou um levantamento popular contra o regime de Suharto em todo o país, uma mobilização que levou a sua resignação em Maio de 1998 depois de 32 anos no poder. Suharto foi substituído pelo seu Vice-Presidente, Habibi, o tecnocrata. Face a crise financeira e a pressão política interna e internacional, Habibi tinha apenas duas opções para ultrapassar a crise (1) largar Timor-Leste, isto é dando aos Timorenses a liberdade de decidir o seu futuro conforme as exigências da comunidade internacional, ou (2) assegurar Timor-Leste e deixar cair a economia. Habibi, ouvido aos seus generais, optou pela primeira opção deixar Timor-Leste decidir o seu futuro através de um referendo uma decisão que resultou na assinatura do acordo entre Portugal e Indonésia no dia 5 de Maio de 1999.
No dia 30 de Agosto de 1999, pela primeira vez, realizou-se em Timor-Leste um referendo sob os auspícios das Nações . Apesar das intimidações, terror e ameaças das melícias, criadas pelos militares Indonésios, 78.8 por cento da população votou a favor da independência. Revoltados com o resultado do referendo, os militares Indonésios mobilizaram suas milícias numa campanha de destruição completa. Destruíram as infraestruturas, mataram e removeram a força a população para o Timor Ocidental.
Podemos concluir de que o Massacre de Santa Cruz foi um ato decisivo para a resistência Timorense . Acredito que se não houvesse o Massacre de Santa Cruz e se as imagens do Massacre não forem divulgadas nos ecrãs das televisões do mundo, a independência de Timor-Leste teria sido adiado para um futuro incerto.
Graças ao sofrimento dos jovens massacrados, desaparecidos, torturados e tantos outros tombados nas fileiras do combate e muitos nas montanhas e nos campos de concentração, hoje Timor-Leste é um país livre e independente. Timor-Leste hoje e membro pleno das Nações Unidas. Embora pobre Timor-Leste procura dar sua contribuição para a manutenção da paz e estabilidade internacional através contribuição de policias e forcas de paz e ajudas humanitárias.
Temos uma relação diplomática excelente com a Indonésia. Uma relação assente no reconhecimento mútuo dos erros cometidos no passado e comprometer-se a olhar para um futuro melhor para os dois países e os dois povos. Em 2005 líderes dos dois países estabeleceram a Comissão de Verdade e Amizade (CVA) com o objetivo de conjuntamente resolver os problemas pendentes entre os dois países. A CVA no seu relatório final publicada em 2008, recomenda ao governo de Timor-Leste e da Indonésia para resolver as questões pendentes incluindo pessoas desaparecidas. Espero que, e no âmbito desta recomendação e no espírito de reconciliação, a Indonésia devolverá a Timor-Leste os jovens desaparecidos e os restos mortais daqueles que foram massacrados no Cemitério de Santa Cruz e muitos outros massacrados e desaparecidos durante a ocupação.
A situação atual em Timor-Leste
Nos últimos 4 anos temos vindo a assistir transformações concretas em Timor-Leste tanto institucional como humano. As instituições estão cada vez mais sólidas e capazes de responder aos desafios do desenvolvimento, na segurança, economia, política e social. Temos tido um crescimento económico de 2 dígitos. E espero mantermos o mesmo ritmo de crescimento para muitos anos. Somos abençoados por ter recursos naturais que muitos países não têm. E os nosso líderes souberam evitar os mesmos problemas surgidos em outros países, em estabelecer o Fundo Petróleo de Timor-Leste. O Fundo que tem acumulado até hoje 8.2 mil milhão de dólares em receitas petrolíferas. Estamos a gerir este fundo com prudência e disciplina. Investimos, nas infraestruturas, no desenvolvimento do capital humano, na saúde e nos programas sociais.
Os sacrifícios dos jovens massacrados no dia 12 de Novembro de 1991 e de muitos outros heróis e mártires da pátria são para nós, os Timorenses, o alicerce da fundação do nossa independência. Por isso mesmo, embora pobre e pequeno devemos ser orgulhosos. Mas também e preciso olhar para o sacrifico de todos eles como humildade e respeito.
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